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Uma medicina patrimônio de 160 povos indígenas: As origens da ayahuasca antes da globalização.

Atualizado: 28 de mar. de 2022



A floresta é diversa e assim também são os povos que contam em suas origens a medicina hoje mais popularmente conhecida como ayahuasca. Porém, poucos sabem quais e quantos somos, quais territórios ocupamos, nossos contextos históricos de contato com o mundo ocidental e nossa resistência política na atualidade.

Diante de um contexto global em que a ayahuasca é atualmente mais acessada por não indígenas (brancos e economicamente privilegiados) do que por indígenas; em que acadêmicos, cientistas e líderes religiosos discutem amplamente sobre a expansão, legalização, democratização, mercantilização, medicalização, sincretização e sintetização da medicina, é necessário se questionar sobre a importância da representação e autonomia dos povos indígenas ao meio dessas discussões.


O Cipó cientificamente catalogado como Banesteriopsis caapi é reconhecido como uma planta originária da bacia amazônica; porém os territórios culturais da ayahuasca extrapolam os afluentes do grande rio, se estendendo às regiões dos andes, caribe, pantanal e mata atlântica. Aproximadamente 160 povos indígenas da ayahuasca se fazem presentes no Equador, Brasil, Bolívia, Colômbia, Panamá, Peru e Venezuela.

A ayahuasca é tão diversa quanto seus povos de origem, é uma bebida com muitos nomes, técnicas de preparo, composições e métodos de condução. Os saberes e práticas ao redor da ayahuasca e demais medicinas dos povos indígenas compõem nosso patrimônio científico, cultural e genético.


Nossas narrativas antigas ainda contam sobre as trocas cerimoniais, alianças e rivalidades entre povos vizinhos desde antes da invasão. Assim como nossos territórios extrapolam os as fronteiras políticas dos estados modernos, nossas relações cosmogónicas são mais amplas e complexas que as classificações de famílias linguísticas colocadas sobre nossos povos. Somos famílias de onças, peixes, cobras, pássaros, e outros filhos das florestas, dos rios, da terra e do céu; reconhecemos nossas famílias espirituais quando compartilhamos nossos cantos e histórias, e mantemos relações diplomáticas antigas. As cosmovisões indígenas já eram globais antes da “globalização” ocidental, que continua marcada pela invasão e esbulho de nossos territórios materiais e imateriais: nossas terras, ciências, tecnologias, culturas e conhecimentos.


Os contextos de contato dos povos indígenas com o ocidente e as histórias invasão de nossos territórios também são diversos: em mais de quinhentos anos de genocídio todas nossas populações foram reduzidas, muitas desapareceram, outras perderam suas línguas (mas não seus saberes), uns fizeram contato apenas recentemente e poucos ainda se mantém isolados na floresta. Todos enfrentamos o racismo e violência contra nossos corpos e culturas. Todos lutamos pela defesa e reconhecimento de nossos territórios, de nossos direitos e pela construção das políticas necessárias para permitir que continuemos existindo.

Para além tantas urgências, enfrentamos a dificultação do acesso ao diálogo equitativo com as instituições ocidentais, seja pelo afastamento ou marginalização de nossos territórios e saberes, assim como a falta histórica de políticas públicas e acesso às tecnologias. Existem muitas discussões que nos dizem respeito que continuam sendo levadas sem nosso conhecimento nem reconhecimento. Diante do contexto de globalização como fica a representação e autonomia dos povos indígenas em relação à ayahuasca e demais medicinas?


O interesse do ocidente pela ayahuasca foi recebido por alguns povos como uma oportunidade de tecer alianças para o fortalecimento político e cultural. A globalização nos traz relações complexas em que alguns poucos povos se tornaram internacionalmente conhecidos por receber visitantes em retiros de ayahuasca, porém a grande maioria continua sendo ignorada ou desconhecida.


Após pesquisar tendo como referência pesquisas acadêmicas e a colaboração de parentes indígenas, reuni a seguinte lista de povos que contam com a ayahuasca em suas culturas de origem. Muitos destes povos tiveram seus territórios divididos pelos estados modernos, outros tiveram suas populações deslocadas no processo de ocupação e construção dos países. Alguns são considerados pelos pesquisadores como tendo um contato mais recente com a ayahuasca através de troca com outros povos indígenas. Não estão listados aqueles que relatam ter tido um contato mais recente pela globalização ocidental da medicina.


Atribuir um número preciso aos povos que usam a ayahuasca não é uma tarefa simples, pois muitas vezes é difícil definir se comunidades vizinhas com costumes e línguas semelhantes constituem grupos étnicos distintos; A identidade étnica compreendida hoje é um conceito que vai se desenvolvendo à medida que os povos se organizam por seus direitos . Nomes diferentes para os mesmos grupos aumentam a dificuldade, às vezes, o mesmo nome é atribuído a vários grupos diferentes (alguns nomes alternativos, grafias e famílias linguísticas estão entre parênteses).

Alguns povos foram considerados extintos; alguns parecem ter abandonado o uso da Ayahuasca sob pressão missionária ou das políticas de “integração” nacionais. A grande maioria dos povos contam com poucos anciões mestres de saberes tradicionais e enfrenta dificuldade de interesse ou passagem destes conhecimentos para as novas gerações.


Estas informações são fundamentais para compreender a complexidade dos contextos de nossos povos, das discussões relativas à ayahuasca, da construção de políticas nacionais e internacionais para a proteção de nosso patrimônio e para a construção da comunicação e aliança entre indígenas e não indígenas.


- por Daiara Tukano, março de 2022.


Conforme definido pela língua e características culturais comuns, podemos considerar aproximadamente 160 povos indígenas ayahuasqueiros:


Achagua (Xagua) – Colômbia

Achuar (Achual, Achuara) – Equador / Peru

Ajyíninka Apurucayali – Peru

Amahuaca (Amenguaca, Sayacu) – Peru

Amahuaca (Pano) – Peru

Amuesha (Yanesha, Amuese, Amueixa, Amoishe, Amagues, Amage, Amajo, Amuetamo) – Peru

Andoke (Andoque) – Peru / Colômbia

Angutero (Ancutere, Pioje) – Peru

Apolima – Arara - Brasil

Arabela (Chiripunu) – Peru

Arapaço, Airo-pai (tukano) – Brasil

Ashaninka (Ashaninca, Campa) – Peru / Brasil

Ashéninka (Asheninca) – Peru

Awajún (Aguaruna) – Peru

Awishiri – Peru (considerado extinto)

Baniwa (Aruák) – Brasil / Venezuela

Barasana (Paneroa, Eduria, Edulia) – Colômbia / Brasil

Baré - Brasil

Bora (Boro) – Peru / Colômbia

Cabiyari (Cabiuarí, Cauyarí, Kauyarí, Cuyare, Kawillary) – Colômbia

Cacua (Báda, Kákwa) – Colômbia

Cahuarano – Peru

Callawaya - (Quíchua), Bolívia – Peru

Candoshi-Shapra (Kandoshi) – Peru / Brasil

Capanahua (Kapanawa) - Peru

Caquinte – Peru

Carabayo (Macusa) – Colômbia

Carapana (Mochda, Moxdoa, Karapaná, Karapano, Mextã) – Colômbia / Brasil

Carijona (Karijona, Carihona, Umawa, Hianacoto-Umaua) – Colômbia

Cashibo-Cacataibo (Kashibo-Kakataibo) – Peru

Chachi (Cayapa, Kayapa) – Equador

Chama (Es’e Ejja) – Bolívia

Chamicura (Chamikura) – Peru

Chasutino – Peru / Bolívia

Chayavita (Chayahuita, Shayabit, Chawi, Tsaawi, Tshaahui, Tschhuito, Paranapura) – Peru

Chebero (Jebero, Xebero, Xihuila) – Peru

Chiriruano, Avá guaraní - (Guarani)- Bolívia, Brasil, Paraguai, Argentina

Choco (Choko) – Colômbia

Cocama-Cocamilla (Kokama, Huallaga, Pampadeque, Pandequebo, Ucayali, Xibitaoan) – Peru

Cofán (Kofan, Kofane, A'i) – Equador / Colômbia

Colorado - Tsáchilas – (Chibcha) - Equador

Conibo – Peru

Coreguage - Colômbia

Cubeo (Kubeo, Cuveo, Kobeua, Kubwa, Kobewa, Pamiwa, Hehenawa) – Colômbia

Cuiba (Cuiva, Kuiva, Kuiba, Kwiba, Cuiba-Wámonae) – Colômbia / Venezuela

Culina (Kulina) – Peru / Brasil

Curripaco (Kurripaco) – Colômbia

Desana (Desano, Wina, Boleka, Oregu, Kusibi) – Colômbia / Brasil

Embera (Emperã, Eberã, Atrato, Baudó, Catrú, Embena, Eyabida, Chami) – Colômbia / Panamá

Ese'ejja (Chama) – Bolívia / Peru

Guahibo (Sikuani) – Colômbia / Venezuela

Guarani Mbya – Bolívia / Brasil

Guarani Nhandeva - Brasil

Guayabero (Jiw, Cunimía, Mítus, Mítua) – Colômbia

Gwanana (Guanano, Wanana, Uanano, Kotiria, Anana, Kótedia) – Colômbia

Harambket (Mashco, Amarakaire, Amarakaeri) – Peru

Hianakota-Umana – Brasil

Huachipaeri – Peru

Huambisa (Wambisa) – Peru

Huni Kuin (Pano) Peru / Brasil

Hupda-Maku (Hupde) – Brasil / Colômbia

Ikito (Iquito, Iquita, Amacacore, Hamacore, Quiturran, Puca-Uma) – Peru

Iñapari (Iñamari) – Peru

Inga – Colômbia

Ingano – Colômbia

Isconahua (Iscobaquebu) – Peru

Ixiamas Chama (Tacana) – Bolívia

Juruna - Brasil

Kabuvari – Brasil

Kacha’ – Peru

Kambeba - Brasil

Kamsá (Camsa, Sibundoy, Coche) – Colômbia

Kanamari (Família Catuquina) - Brasil

Katuquinas (Pano - Katuquina) – Brasil

Kaxinawa - (Pano) – Brasil

Kofan (Cofan) - (Quíchua/Quechumaran) Equador / Colômbia

Kokama – Brasil

Koreguaje (Coreguaje, Correguaje, Ko'reuaju, Caquetá, Chaocha Pai) – Colômbia

Kulinas-madirrás, Kulina-Madihá, (Arauá). - Brasil

Kulinas-pano, Kulina – (pano) - Brasil

Kuntanawa - Brasil

Lamistas (Lamista, Lama) – Peru

Macaguan (Macaguane, Hitnü) – Colômbia

Machiguenga (Matsikenka, Matsigenga, Matsiganga, Mañaries) (aruák) – Peru

Mai Huna – Colômbia

Maku (Cacua) – Colômbia / Brasil

Maku (Macu-camãs, Macu-iuhupde, Macu-nadebes) (hupde) - Brasil / Colômbia

Makuna (Macuna, Buhagana, Yeba, Suroa, Tabotiro Jejea, Umua, Wuhána, Paneroa, Jepa-Matsi) – Colômbia / Brasil

Manchinery - Brasil

Marinahua – Peru

Marubo (Pano) – Brasil

Matis - Brasil

Matses (Mayoruna, Morique) – Peru

Mazan – Peru (extinto)

Menimehe – Colômbia (aparentemente extinto)

Miranha – Colômbia

Mojo (Mojos, Moxo, Moxos) – Bolívia

Muinane (Murui, Muinana, Muinani, Muename) – Colômbia

Muísca (Chibchas) - Colômbia

Muniche (Otanave, Otanabe, Munichino, Munichi) – Peru

Nanti (Kogapakori) – Peru

Napo Runa, Lower (Orellana Runa, Uku Napo Runa) – Equador / Peru

Napo Runa, Upper (Quijos, Napo Kichwa, Awa Napo Runa, Quichuas de Tena) – Equador

Noanama Wounaan, waunana, (Chocó), Colômbia

Nomatsiguenga (Nomatsigenka, Atiri) - Peru

Nukini - Brasil

Ocaina – Peru

Omagua (Pariana, Anapia, Macanipa, Yhuata, Umaua, Cambela) – Equador / Peru / Brasil

Panobo – Peru (considerado extinto)

Pastaza Runa (Canelos, Alama) – Equador

Piapoko (Piapoco) – Colômbia

Piaroa (Kuakua, Guagua, Quaqua) – Colômbia / Venezuela

Pioche – Colômbia

Piratapuyo – Colômbia / Brasil

Piro (Yine, Mashco Piro, Mashco, Cujareño, Simiranch) – Peru

Pisabo (Pisagua, Pisahua) – Peru

Puinave (Puinabe) – Colômbia

Puyanawa - Brasil

Resigaro (Resigero) – Peru

Saliba – Colômbia

Secoya (Quíchua-Tukano) – Equador / Colômbia / Peru

Shanenawa, (Pano) - Peru, Brasil

Shawandawa - Brasil

Shetebo – Peru

Shipibo-Conibo (Pano) – Peru

Shiwiar – Equador / Peru

Shuar (Shuara, Jivaro, Jibaro) – Equador / Peru

Siona – Equador / Colômbia

Siriano (Tubu) – Colômbia / Brasil

Taiwan – Colômbia

Takana – Bolívia

Tamas – Brasil

Tanimuka (Tanimuca-Retuara) – Colômbia

Tariano – Brasil

Tatuyo (Pamoa, Oa, Tatutapuyo, Juna) – Colômbia / Brasil

Taushiro (Pinchi) – Peru

Tetete – Colômbia / Equador (considerado extinto)

Tikuna (Ticuna, Tukuna) – Brasil / Colômbia

Tsachila (Colorados) – Equador

Tukano (Tucano) – Colômbia / Brasil

Tutapi (Orejon, Oregon, Orechon, Payagua, Mai Ja) – Peru

Tuyuka – Colômbia / Brasil

Uitotos, Huitotos, Murui-muinane - Peru

Uranina – Peru

Waikino (Uaikena, Piratapuyo, Urubu-Tapuya) – Colômbia

Waimaha – Colômbia

Wanano (Kotiria) - Brasil

Waorani (Huaorani. Auca) – Equador

Witoto (Huitoto, Uitoto, Minika, Bue) – Colômbia / Brasil

Yagua (Yahua, Llagua, Yegua, Yava, Nijyamïï Nikyejaada) – Peru

Yaminawa (Yaminahua, Jaminawá, Yuminahua, Yamanawa, Chitonahua) – Peru / Brasil

Yari – Colômbia

Yawanawá, (Pano) - Brasil.

Yebasama – Colômbia

Ye'kuana (Makiritari, Maquiritare) (caribe) – Venezuela / Brasil

Yora (Pano) - Peru

Yora (Yura, Yuranahua, Yoranahua, Parquenahua, Nahua) – Peru

Yukuna (Matapi (Matapie) – Colômbia

Yuruti – Colômbia

Záparo – Equador / Peru

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Referências:

1. Steward Julian H. (Ed.) Handbook of South American Indians. Vol 5 The comparative ethnology of South American Indians. Bureau of American Ethnology. Bulletin 143, Washington, DC, 1949

2. Ribeiro, Darcy (Editor) et alii Suma etnológica brasileira. Edição atualizada do Handbook of South American Indians. Petrópolis, RJ, Vozes – FINEP, 1986

3. Reinburg, P. "Contribution a l'étude des boissons toxiques des indiens du nordouest de l'Amazonie, l'ayahuasca -le yaje - le huanto." Journal de la Societé des Americanistes de Paris (n.s.) 13:25-54; 197-216. Paris. 1921

4. Tessmann, Giinter. Die Indianer Nordost-Perus. Hamburg: Friederichsen, de Gruyter and Co. 1930

5. Taussig, Michael. Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem, um estudo sobre o terror e a cura. RJ, Paz e Terra, 1993

6. Bolsanello, Débora Pereira. Busca do Graal brasileiro, a doutrina do Santo Daime. Bertrand do Brasil, 1995

7. Luz, Pedro F.L. Estudo comparativo dos complexos ritual e simbólico associados ao uso da Banisteriopsis caapi e espécies congêneres em tribos de língua Pano, Arawak, Tukano e Maku do noroeste amazônico. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996

8. Ayahuasca.com, Homepage of Amazonian Great Medicine What indigenous groups traditionally use Ayahuasca?

9. Carta da 1ª Yubaka Hayrá – Conferência indígena da Ayahuasca. https://www.xapuri.info/resistencia-indigena/sagrado-indigena/carta-da-1a-yubaka-hayra-conferencia-indigena-da-ayahuasca/

10. Union de los médicos indígenas yagezeros de la amazonia colombiana - https://umiyac.org/

11. Pesquisa oral em conversas com parentes indígenas em cerimônias, encontros de pajés e reuniões do movimento indígenas no Brasil.

Contribuições são sempre bem vindas. añû.



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